Nikole, Bial, Mel e Luy são apenas adoráveis bichinhos de estimação, mas bem que a vida dessas ferinhas poderia ser vivida por qualquer ser humano. A gata Nikole viaja de avião, vai a restaurantes e adora passear no shopping. Já os cães da raça Shih Tzu Bial e Mel só comem comida natural e adoram caminhar no parque, enquanto o Yorkshire Luy não dispensa um bom passeio de carro.
A rotina deles, que para muitos pode parecer um tanto quanto “humana” demais, na verdade, faz parte de uma tendência global, na qual os donos consideram seus pets muito mais que meros animais de companhia. Eles agora são filhos ou irmãozinhos peludos, como os próprios donos os consideram. O fenômeno veio acompanhado pela grande popularização dos pets, principalmente no Brasil, segundo lugar no mundo no ranking de população de animais de estimação. São 20 milhões de cães e 16 milhões de gatos, sem contar os animais abandonados em abrigos ou os que vivem nas ruas.
E essa popularidade toda tem gerado um filão e tanto para o mercado pet. A cada ano são lançados serviços mais exclusivos para o amigo de quatro patas, desde ofurô, motel, padaria, sem falar em roupas, acessórios, aplicativos para celular, entre outros. Verdade seja dita, a imagem do cachorro ao lado de sua casinha, no quintal, quase não existe mais, uma vez que ele acabou conquistando um lugarzinho como membro da família e, principalmente, preenchendo o vazio dos seres humanos.
Queridinho da mamãe
Essa ideia é defendida pela dra. Hannelore Fuchs, psicóloga especialista em comportamento animal.
“Atualmente, os animais de estimação são tratados emocionalmente como um ser humano, já que eles preenchem lacunas que não estão sendo preenchidas por outros indivíduos.” A especialista pondera, contudo, que “cabe ao dono saber que está lidando com um ser de outra espécie, que tem necessidades diferentes.”
Essas necessidades, de acordo com o dr. Marcelo Quinzani, diretor clínico do Hospital Pet Care, localizado no bairro do Morumbi, em São Paulo, são identificadas facilmente com um pouco de bom senso. “O cão é um animal que vive em grupo e tende a considerar a família como sua matilha, por isso quer fazer tudo o que fazemos, mas respeita de maneira ‘canina’ o seu dono (macho alfa). Assim, o que o dono dele determinar ele vai acatar. Mas tem que fazer isso desde filhote”, ressalta.
Para os especialistas, o problema começa justamente quando quem domina a casa é o animal e os limites não são dados. O amor e carinho excessivos dados ao animal acabam impedindo a disciplina do pet. Sem contar que fantasias, cosméticos e acessórios podem descaracterizá-lo, como explica Quinzani. “Cuidados que não os essenciais para a saúde e longevidade podem deixar o cão confuso, estressado, se achando gente e se comportando de maneira diferente do seu instinto.” Hannelore também é categórica quanto aos exageros. “Dar presentes ao animal só é necessário contanto que eles tenham uma função e não inibam a liberdade do animal para viver de acordo com sua espécie.”
Excessos
Em seu consultório, a psicóloga explica que atende os mais diversos casos de transtornos comportamentais em pets. “Atendo donos cujos cães assistem muita TV, correm atrás de luzes, roubam objetos de bolsas, como celulares, outros que não gostam de ficar sozinhos ou são muito ansiosos.” E a especialista explica que nem sempre os donos são culpados conscientemente do mau comportamento de seus pets. Isso porque os animais aprendem por observação e se moldam às condições ambientais muito rapidamente, logo, se o dono acostumar a dar um petisco ao bicho toda vez que estiver prestes a sair de casa, por exemplo, em pouco tempo o cão cobrará o alimento automaticamente.
Aliás, a alimentação é um ponto crítico quando o assunto são os animais. Com aquela carinha fofa irresistível, muitos donos sucumbem às vontades de seus pets, levando-os a diversas doenças graves, como explica o veterinário. “Alimentação inadequada vai gerar obesidade, hipertensão, diabetes, alergias entre outros.” Em seus consultórios,
para resolver o problema dos petiscos indevidos e doenças geradas pela obesidade, ambos estimulam as substituições saudáveis como pedaços de maçã, pera e cenoura, além da prática de atividades físicas. “Compartilhar o pão é totalmente satisfatório, dá prazer tanto ao dono quanto ao animal”, defende Hannelore.
Nesse quesito, a zootecnista Tula Verusca Pereira segue as dicas dadas à risca. A alimentação dos Shih Tzus Bial e Mel é toda à base de comida natural, além de eles caminharem duas vezes ao dia e não dispensarem passeios ao parque durante os fins de semana. “Sinceramente, não sei se isso pode ser chamado de mimo, mas eles também vão toda semana tomar banho e já foram até à praia.”
Amor consciente
Chamada vulgarmente de “humanização de animais”, a dra. Hannelore explica que a antropomorfização, ou seja, a prática de dar qualidades e características humanas aos pets, também pode ser extremamente benéfica. Se por um lado o amor excessivo pode acabar “estragando” o bichinho, os cuidados bem dosados só rendem bem-estar aos animais. Foi justamente por querer estar com as vacinas do Yorkshire Luy sempre em dia que o empresário César Aquino acabou desenvolvendo um aplicativo para o celular que alerta o vencimento e as datas dos medicamentos de cães e gatos. Além disso, é possível criar uma verdadeira carteirinha virtual do pet no próprio celular ou computador, com informações importantes, como data de nascimento, peso e até fotos do animal para mostrar aos amigos.
“Quem tem cão ou gato naturalmente se aproxima. E já que o animal passou a dividir cada vez mais espaço com o dono, o mobi4pet foi pensado justamente para reunir as principais necessidades do bicho e, ao mesmo tempo, promover a interação dos donos”, explica César. O criador do aplicativo deixa claro também que a ideia partiu das necessidades do seu cachorro, que é tratado, sim, como um filho, “mas um filho canino, claro”. “Considero o Luy parte da minha família,
somos muito ligados. O problema é que quando gostamos demais do animal tendemos a exagerar. A constante luta é para termos limites e não tirá-lo do seu próprio ambiente.”
Cecy Passos, dona da gata Nikole e consultora e gestora de produtos específicos para gatos, faz coro ao amigo e defende que o maior problema enfrentado pelos donos de animais é acabar colocando os bichos na figura de gente. “Os donos devem compreender que os pets não podem ser tirados totalmente do meio em que estão acostumados a viver. Mesmo porque eles correm o risco de acabar abandonados pelo dono, que enjoou dos ‘bonequinhos’ dele. O animal acaba pagando um preço muito alto por essa transformação.”
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