Às vezes, quando estou acompanhando um caso, muitos questionam o porquê de seus cachorros terem problemas comportamentais mesmo sendo adestrados. Acho essa questão muito interessante, pois percebo que, para a maioria das pessoas, o adestramento e a etologia significam a mesma coisa.
Etologia é a ciência que estuda o comportamento das espécies, as suas causas e funções biológicas. Enquanto um adestrador ensina os animais a obedecerem determinados comandos, um etólogo investiga a causa do comportamento e atua sobre esse gatilho – sem que haja, necessariamente, a utilização de técnicas de adestramento. Na prática, o melhor cão do curso de adestramento pode ter sérios problemas comportamentais caso as pessoas não saibam se comunicar com ele ou não entendam quais são as reais necessidades do animal.
Certa vez, fui chamado para atender o caso de um cão da raça Lhasa Apso, que tinha o hábito de pular nas pessoas. Mas esse não era um caso comum – após alguns minutos de conversa com a dona, pude perceber que esse era, em minha opinião, o cão mais inteligente do mundo. Segundo a proprietária, o cão não pulava para atacar as pessoas, mas assustava e incomodava as visitas. Ela estava surpresa com esse comportamento, pois o animal tinha sido adestrado e já fora chamado outro adestrador para solucionar o problema.
A técnica que resolveria o problema foi a seguinte: toda vez que ela fosse receber visitas, deveria estar preparada com um borrifador de água – semelhante aos utilizados pelos cabeleireiros. Caso o cão pulasse nas pessoas, ela deveria borrifar água nele, para ensinar que esse era um comportamento errado.
Após algumas poucas aplicações dessa técnica, o animal já estava “curado” – quando entrava alguma pessoa na casa o cão via o borrifador e fugia, sem pular em ninguém. Porém, conforme falei anteriormente, esse não era um animal qualquer – era o cão mais inteligente do mundo. Uma vez que ele aprendeu a não pular nas pessoas dentro de casa na presença do borrifador, ele “resolveu” começar a pular nas pessoas fora de casa, enquanto passeavam – exatamente quando não havia nenhum borrifador por perto. Sem dúvida alguma, esse Lhasa Apso apresentou a resposta mais coerente que ele podia ter mostrado após a sessão de adestramento.
Embora essa técnica de reforço negativo seja muito utilizada em diversas situações, ela é limitada no caso de questões comportamentais. Após o relato dessa história, eu e a dona do cão trabalhamos as questões comportamentais do animal: ele tinha uma vida extremamente monótona e ociosa – ficava sozinho e preso dentro do apartamento o dia todo, com uma infinidade de brinquedos – e era também o “bebê” da casa – tinha petiscos quando pedia e tinha um lugar exclusivo no sofá.
Os principais problemas identificados foram a falta de atividade física frequente e de liderança pelos verdadeiros donos da casa. Ao final da consulta, a dona pôde perceber que não era a ferramenta que iria “consertar” o seu cão, mas sim, que ela realizasse as necessidades do animal (atividade física) e liderasse o cão dentro e fora de casa (sem a necessidade de borrifador). Adestrar o animal é importante para facilitar o convívio entre homem e cão, mas entender sobre a psicologia canina é fundamental para extrair o que há de melhor no nosso companheiro.
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